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02/01/2019

Revista Chico: Veneno legal


Saiba o que está em jogo com o Projeto de Lei que trata do uso, registro e controle dos agrotóxicos no país e entenda como isso pode afetar você.


No cardápio de todo brasileiro, o feijão, um grão que nutre o país, do pobre ao rico, do Oiapoque ao Chuí. Além de nutrientes, porém, o nosso prato de todo dia pode carregar no tempero um resíduo perigoso, a malationa, numa quantidade 400 vezes maior do que a permitida nos países da União Europeia. A assimetria assusta? Pois, o limite do glifosato permitido na água potável que consumimos é cinco mil vezes o estabelecido na Europa. No ranking dos países que mais consomem agrotóxicos no mundo, o Brasil é campeão. Cada brasileiro ingere o equivalente a 7,3 litros por ano.

Em meio ao rio de veneno que já banha o Brasil, uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou, em 25 de junho, o Projeto de Lei 6299, de 2002, por 18 votos a favor e nove contra. O projeto original é de autoria do ministro da Agricultura, Blairo Maggi, quando ainda ocupava o cargo de senador. Para alguns, o PL, apelidado de PL do Veneno, é sinônimo de modernização. Para outros, um atentando à vida dos brasileiros. Entre os críticos estão entidades como Ministério Público Federal, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e Instituto Nacional do Câncer (INCA).

Na prática

Fazendo o caminho do agrotóxico despejado nas principais áreas ocupadas pelo agronegócio, chega-se ao Velho Chico. Coordenadora do Núcleo de Defesa da Bacia do São Francisco (Nusf), a promotora Luciana Khoury, do Ministério Público da Bahia, declarou guerra à PL do Veneno: “O argumento de modernização não é plausível para justificar tantos atropelos e riscos. Já temos muitas falhas de controle. Através dos dados obtidos com a operação Fiscalização Preventiva Integrada (FPI), nós identificamos, por exemplo, na região de Irecê, Centro-Norte Baiano, que dos 10 produtos mais usados na região, nenhum constava na portaria de análise”, conta, lembrando que uma das causas da crise hídrica já é a contaminação dos rios pelos agrotóxicos.

Entre os pontos críticos e preocupantes, constantes do teor do PL, cita: proposta de alteração do termo agrotóxico por produtos fitossanitários ou produtos de controle ambiental; o fato de que os estados não poderão restringir a distribuição, comercialização e o uso de produtos autorizados pela União; a polêmica centralização de competências de registro, normatização e reavaliação de agrotóxicos no Ministério da Agricultura, destituindo os órgãos federais da saúde e do meio ambiente destas funções, previstas na lei vigente. A esses órgãos, com o novo texto, caberia somente uma “homologação” da avaliação realizada pelas empresas.

Para a pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) e autora do Atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia, Larissa Mies Bombardi, a possibilidade de que o PL do Veneno vire lei após a iminente votação em plenário é muito preocupante. Segundo ela, o texto “afrouxa” a proibição de substâncias cancerígenas, teratogênicas (que provocam má formação) e mutagênicas (que causam mutações genéticas). Somente produtos com risco inaceitável seriam banidos, sem deixar explícito o que isso quer dizer.

Outro ponto é a possibilidade de autorizações temporárias para produtos que estão registrados em ao menos três países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), sem análise complementar feita no Brasil. Do ponto de vista ambiental, a pesquisadora chama atenção para um termômetro importante: a morte de abelhas, polinizadoras fundamentais para a promoção da biodiversidade. A União Europeia acabou de banir três inseticidas, justamente em função da morte de abelhas. Enquanto isso, por aqui, há registros da diminuição de colmeias, inclusive de abelhas nativas.


Ranking dos maiores usuários de agrotóxicos do mundo e do Brasil: 


Os dois lados

Para o chefe da Embrapa Meio Ambiente, o pesquisador Marcelo Morandi, o Projeto de Lei 6299/02 é positivo. “O Brasil é um dos países que mais produz e exporta alimentos e sua legislação precisa atender, de forma segura e eficiente, o avanço do setor agropecuário. Há, hoje, mais de 35 novos ingredientes ativos na fila de análise, via de regra mais eficientes e menos nocivos à saúde e ao meio ambiente do que produtos que já estão no mercado. No entanto, o método atual de avaliação e de registro não permite previsibilidade sobre quando os agricultores brasileiros terão acesso a essas novas tecnologias, já disponíveis em diversos países”, diz.

Ele acredita, ainda, que o debate quanto ao consumo de agrotóxicos no Brasil tem se restringido a comparar países com áreas e produções agrícolas completamente diferentes: “Quando transformamos o consumo destes produtos por unidade de área cultivada no Brasil e em outros países no mundo, o Brasil ocupa a sétima posição, tendo a sua frente países como o Japão (consumo oito vezes superior ao do Brasil), Coréia do Sul, Alemanha, França, Itália e Reino Unido. Se compararmos a taxa de consumo por tonelada de produtos agrícolas produzidos, a eficiência no uso de pesticidas fica ainda mais evidente e ocupamos a 13ª posição, sendo superados também por Canadá, Espanha, Austrália, Argentina, Estados Unidos e Polônia.”

O Presidente da Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa), Júlio Busato, argumenta que o PL não busca a ampliação do uso ou flexibilização e, sim, a desburocratização do processo de liberação: “O Projeto de Lei 6299/2002 significa a modernização de uma legislação de mais de 30 anos. Para avançarmos frente à concorrência internacional, precisamos fazer como eles, que modernizaram suas leis e desentravaram a ineficiente burocracia. Enquanto que no Brasil demora-se até 10 anos, na Europa, os produtos são liberados em no máximo três anos. Na Austrália e nos Estados Unidos, em dois anos. A modernização não vai facilitar
o registro dos defensivos, mas vai permitir uma maior celeridade nesse trâmite.”

Para o coordenador de políticas públicas do WWF-Brasil, Bruno Taitson não é nada disso: “A gente já tem uma crise hídrica em várias partes do país, além de problemas ligados à contaminação de solo, cursos d’água, lençóis freáticos, e os agrotóxicos têm uma participação considerável nisso”. De acordo com Marina Lacôrte, especialista do Greenpeace em Agricultura e Alimentação, os malefícios estarão por toda parte: “Se aprovado, o pacote do veneno trará mais veneno para os pratos das pessoas, mais problemas à saúde e ao meio ambiente e, por consequência, problemas graves de segurança alimentar”.

 

 

Opine você também

Uma enquete no site da Agência Câmara quer saber a opinião dos internautas sobre o PL 6299/02. Até o fechamento desta reportagem, 92% dos participantes (23.662) sinalizaram pela reprovação do projeto.

Acesse o Site da Câmara dos Deputados para votar sobre a PL do Veneno.


Contra

Diretoria de Qualidade Ambiental do Ibama

“O meio ambiente pode ser afetado pela liberação de produtos cujas análises ainda não estejam concluídas. O fato de um produto ter sido aprovado em três países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) não significa que as condições de uso autorizadas, como dose, forma de aplicação e número de aplicações, poderiam ser replicadas no Brasil, cujas características ambientais não são as mesmas verificadas em outros países.”

Anvisa

“O PL terceiriza as responsabilidades pelas doenças e agravos à saúde do trabalhador e do consumidor; pelo monitoramento dos resíduos de agrotóxicos e do uso adequado; pelo acompanhamento sistemático das populações expostas e das intoxicações; e pelos planos de emergência nos casos de acidentes de trabalho, transporte e ambientais que possam advir da cadeia produtiva e logística do agrotóxico”.


A favor

Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindveg)

“É fundamental esclarecer que as alterações que estão em debate não excluem o rigor científico e a transparência no processo de registros, que são essenciais para a segurança e o desenvolvimento da indústria nacional. Além disso, modernizar a legislação não significa flexibilizar ou facilitar o registro de defensivos agrícolas, e sim incluir critérios objetivos na avaliação, respeitando metodologias científicas que assegurem a competitividade da agricultura brasileira”.

Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa)

“Em relação à modernização da legislação, só existem vantagens diante da aquisição de tecnologias agrícolas que combatam as pragas com menos aplicações e de forma mais rápida, com menos toxicidade, principalmente, para os trabalhadores e agricultores expostos a esses produtos químicos. Aumenta-se a produtividade e reduz-se as perdas no campo para agricultores, levando quantidade e qualidade de alimentos com baixo custo para a população”.


*Texto: Andréia Vittório
*Fotos: Divulgação

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