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24/06/2019

Revista Chico: Uma segunda chance


A incrível história do operador de saneamento da Vale, Sebastião Gomes, que escapou da morte por um triz. Formado em engenharia ambiental tardiamente, graças ao programa Educação de Jovens e Adultos (EJA), ele diz que nunca mais quer trabalhar em uma mina.


“Escutei um estrondo e logo depois um barulho ensurdecedor, eram os vagões tombando. Comecei a correr, cheguei a cair, mas graças a Deus tive forças para levantar e entrar na caminhonete”, contou Sebastião Gomes, 54 anos, ainda muito emocionado, um mês depois da tragédia de Brumadinho, ocorrida no dia 25 de janeiro. “A lama veio descendo e fazendo um círculo, abraçando a gente, até que nos alcançou e levantou a caminhonete. Eu acredito que foi a mão de Deus que nos jogou para cima. Foi a salvação”.

Ele era o homem atrás do volante, na imagem que correu o mundo. No momento exato do rompimento da barragem 1 da mina Córrego do Feijão, quando o tsunami de lama descia a encosta, uma caminhonete ziguezagueava, tentando escapar da avalanche. Ao relembrar a cena chora, evocando o desespero que lhe tomou todos os sentidos naquele minuto de vida ou morte. Operador de saneamento, estava acompanhado de um colega de trabalho, Elias Jesus Nunes. Quem assiste o vídeo captado pelas câmeras de segurança da Vale, não acredita que Sebastião saiu vivo. Do primeiro estouro até a lama chegar até onde ele estava levou 1 minuto e 28 segundos.

“Por baixo era uma gelatina, comecei a afundar, cheguei a ficar com as duas pernas presas. A gente tropeçava em corpos. Até que conseguimos chegar até o trator onde estava o Leandro”, disse, relatando os minutos que se sucederam após a caminhonete parar de ser arrastada e ele conseguir escapar por uma janela. “Tivemos que cavar com as mãos para tirar o Leandro, ele já não conseguia respirar, estava quase morto pela pressão da lama”.

A espera pelos bombeiros foi, para Sebastião, uma eternidade – e a sensação de alívio por ter sobrevivido durou pouco. Quando ainda aguardava o socorro, de pé em cima do trator, viu uma mancha de umidade na parede de outra barragem, a B6, percebendo que esta também poderia estourar a qualquer momento. “Aí eu entrei em desespero.

Pensei, toda essa a luta para sobreviver vai ser em vão”. Fora ele quem alertou o Corpo de Bombeiros para o risco de rompimento da barragem de água da mina, muito maior que a de rejeito, com capacidade de quatro milhões de metros cúbicos, abastecida dia e noite por seis poços que drenam o lençol freático para permitir a escavação. Na manhã de sábado a Vale anunciou que iria esvaziá-la. Na madrugada de domingo, soou o alarme de risco iminente de rompimento da B6 e vários bairros de Brumadinho foram evacuados.

A travessia da dor

Quando o helicóptero dos bombeiros que o resgatou levantou voo, Sebastião percebeu a dimensão da devastação. Como operador de saneamento, sua função era monitorar a qualidade da água do Córrego do Feijão. “Eu sempre digo que sou privilegiado por trabalhar fazendo uma coisa que eu acredito, que é proteger o meio ambiente. Mas em uma empresa tão grande, nem tudo está ao nosso alcance”, lamentou. Ao menor sinal de mudança na qualidade da água, parava o que estivesse fazendo para ir até a margem do ribeirão. Há anos dedica-se a proteger os recursos naturais ao redor da mina e é o responsável pelo tratamento de todo efluente gerado. “Tanto trabalho para manter o rio limpo e acontece isso. É uma dor”, disse.

Desde o rompimento da barragem, Sebastião está em tratamento psiquiátrico. Ficou quatro dias sem conseguir dormir. Só conseguiu ter a primeira noite de sono com a ajuda de remédios. “Mas durante o dia vinham os pensamentos na minha cabeça de novo: meus amigos da oficina mecânica onde eu conhecia todo mundo, as meninas do restaurante, morreu todo mundo. Ainda tenho o pesadelo como se estivesse acontecendo o desastre: eu lá em cima da barragem vendo alguma coisa errada e tentando avisar meus colegas. Agora toda semana vou ao psicólogo para ver se isso passa”.

A carreira na Vale começou há nove anos, como mecânico de máquinas pesadas. Vindo de Frei Gaspar, no Vale do Mucuri, aos 18 anos, para trabalhar de vigilante, aprendeu a profissão de mecânico num curso por correspondência. O sonho, porém, era fazer faculdade. O emprego na mineradora ajudou e, depois de 36 anos, voltou a estudar – completou o ensino básico, fez o curso de Educação de Jovens e Adultos (EJA), prestou quatro vezes o ENEM, até entrar para o curso de Engenharia Ambiental. Em março recebeu o tão esperado diploma.

Com conhecimento de causa, Sebastião diz que não é possível mais explorar os recursos naturais dessa forma. “A ciência caminha em prol da comunidade, não em prol da destruição. Nós temos várias tecnologias. Quantas vidas se perderam ali? A destruição da fauna, da flora, os ribeirinhos e o povo indígena que sobrevive da pesca… É uma tristeza você pensar que poderia ter sido evitado e não foi”. A Vale ainda não definiu o destino dos trabalhadores que sobreviveram ao crime ambiental, mas Sebastião, agora engenheiro, não gostaria de voltar a trabalhar em minerações. “Eu não tenho vontade de voltar a trabalhar em mina. São muitas recordações”, concluiu.

 

Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Andréa Castello Branco
Foto: Leonardo Ramos

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