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01/07/2019

Revista 5: Paulo Rodrigues fala sobre como a mineração tem colocado em risco os recursos hídricos e minerais

“Não podemos deixar nas mãos do mercado o destino do nosso patrimônio mineral”


“Temos duas opções na região do quadrilátero ferrífero: ou mantemos os nossos aquíferos ou permitimos a mineração de ferro”, comentou o geólogo Paulo Rodrigues, pesquisador e professor do programa de pós-graduação do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), em Belo Horizonte. Para ele, a escolha é simples. Paralelamente ao trabalho no centro de pesquisa, vinculado à Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), assumiu a militância pelo meio ambiente como causa central.

Hoje, atua em várias frentes: Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela, Movimento pelas Águas e Serras de Minas Gerais, SOS Serra da Piedade, e também em parceria com o Projeto Manuelzão. E, após o rompimento da bacia de rejeitos da Vale, em Brumadinho, vem atuando no grupo técnico do Gabinete de Crise – Sociedade Civil.

Em entrevista à Revista CHICO, o especialista demonstrou como a mineração, um dos argumentos centrais do modelo de desenvolvimento brasileiro, tem colocado em risco dois patrimônios do país: os recursos minerais e os recursos hídricos.

Quais as consequências do Brasil e de Minas Gerais, particularmente, assumirem a mineração como
um dos pilares do desenvolvimento econômico?

É importante lembrar que todo o minério brasileiro é propriedade da União, ou seja, é do povo brasileiro. Por isso, o mercado de minério não poderia ser regido somente pela economia de mercado, uma vez que as mineradoras, ao participarem da atividade de commodities, fazem parte de um mercado especulativo internacional. Além disso, por serem empresas, elas têm um interesse apenas comercial na extração de minério.

Então, esse é um modelo econômico que tem de ser repensado; não podemos deixar nas mãos do mercado o destino do nosso patrimônio. Temos que questionar também que modelo econômico é esse que afirma que a sociedade não pode mais viver sem a extração de minério.

Ou seja: o país não está ganhando, está perdendo?

Não podemos chamar de “desenvolvimento” os moldes como a mineração é praticada no Brasil, porque os estudos estatísticos demonstram que a incidência de pobreza – medida pelo IBGE –, especialmente para a RMBH, é maior nos municípios que mineram ferro; ou seja, há uma coincidência entre a pobreza e os municípios que mais recolhem a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM).

A Lei Kandir diz que todo produto exportado está dispensado do recolhimento ICMS, ou seja, a mineração não contribui para o imposto estadual mais importante para a redistribuição financeira municipal. A Lei não está errada, pois seu objetivo era fomentar a exportação de bens industrializados. O problema é que a mineração sempre pegou carona nesse viés da indústria para se beneficiar. Não se trata de um desenvolvimento, mas de um subdesenvolvimento, de um modelo colonial que nos domina há mais de 500 anos.

Na sua opinião, por que estamos tendo tantos problemas com barragens?

Em princípio, pelo volume e pela idade das barragens, bem como pela falta de monitoramento efetivo. Mas, para uma barragem se romper existe uma série de questões. Eu classifico as barragens como verdadeiras “bombas-relógio”. Essas estruturas são vulneráveis porque recebem influências de vários fatores. Um deles é a frequência de abalos sísmicos de pequenas magnitudes, como o que atingiu Mariana, no dia em que a barragem Fundão se rompeu. Quando uma barragem está para romper qualquer tremor causa uma tragédia. E os pequenos tremores são recorrentes no Quadrilátero Ferrífero. Outro fator é a forma como as barragens são construídas. As mineradoras sempre montam a estrutura mais barata, que é também a mais suscetível.

De que modo a extração de minério de ferro impacta os aquíferos e as bacias hidrográficas em Minas Gerais?

No Quadrilátero Ferrífero, temos os chamados aquíferos de circulação hídrica profunda, que armazenam água subterrânea e são responsáveis pela manutenção das nascentes, poços e rios. São quatro aquíferos. Desses, somente o aquífero Cauê responde por 80% da água subterrânea do conjunto. Infelizmente, aí existe uma coincidência geológica muito ruim, de que o horizonte geológico do Cauê é também onde está o minério de ferro.

Uma infeliz coincidência.

Sim, muito infeliz. Essa camada de ferro, juntamente com uma camada chamada canga, forma o que chamamos de geossistema hidro-ferruginoso. A canga é uma camada superficial acima da camada de ferro e sem grandes valores econômicos, porém oferece um serviço ambiental importante, porque, por ela ser muito porosa, assegura a rápida infiltração da chuva. Como sabemos, o aquífero só tem água se chover. Assim, é preciso que a cada período de chuva essa água penetre no solo e reabasteça o aquífero.

Como há essa infeliz coincidência, quando se extrai o minério de ferro, ao mesmo tempo se destrói esse geossistema. Fazendo isso eventualmente, não haveria um impacto tão grande, mas o problema é que hoje, com exceção da Serra do Gandarela, quase todo o território do Quadrilátero já foi impactado pela mineração de ferro.

Como resolver esta situação?

A atividade de extração de minério, ao destruir a camada onde a água é armazenada, também destrói o aquífero, e isso gera um longo efeito de comprometimento das nascentes, dos rios e do lençol freático. Então temos, dentro desse cenário, um grande conflito de interesses entre a saúde hídrica do abastecimento público e o comércio de minério de ferro, que visa só o lucro das mineradoras. Isso já seria suficiente para fazermos uma revisão das leis e dos mecanismos de licenciamento ambiental das mineradoras no Quadrilátero.

 

Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Luiza Baggio
*Fotos: Luiza Baggio e Arthur Nicolato

 

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