13/06/2018
Presidente do CBHSF participa de audiência pública na Câmara dos Deputados para debater recursos para revitalizar a bacia do Velho Chico com recursos da privatização da Eletrobrás
O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Anivaldo Miranda, participou nesta terça-feira (12 de junho), na Câmara dos Deputados, de audiência pública para debater a destinação de recursos resultantes da possibilidade de privatização da Eletrobrás conforme estabelecido pelo PL 9463/2018, para a revitalização da bacia do Velho Chico. A matéria está pronta para ser analisada por Comissão Especial, mas no momento foi retirada de pauta e deve voltar a ser apreciada na próxima legislatura, a partir de 2019.
Anivaldo Miranda afirmou que o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco ainda não formou uma opinião conclusiva sobre a ideia da privatização da Eletrobrás.”Isso não quer dizer que o nosso Comitê tenha qualquer preconceito quanto à possibilidade de estatizar ou desestatizar setores da economia. O Comitê considera que o critério para definir essa questão tem que ser, em primeiro lugar, absolutamente democrático. Em segundo lugar, o critério do que interessa mais à nação e aos contribuintes”, disse.
Miranda comentou que, na visão do Comitê, o projeto que pretende privatizar a Eletrobrás, é uma medida que não se realiza em um contexto isolado dentro do universo dos problemas que a bacia hidrográfica do São Francisco apresenta hoje. “É impossível discutir energia sem colocá-la em relação direta com a questão da gestão das águas. Água e energia são irmãs siamesas no que diz respeito à bacia hidrográfica do São Francisco. Se fizermos uma discussão hermética sobre energia, sem levar em consideração como os cenários para a gestão de água se apresentam no futuro próximo, estaremos enchendo um saco vazio”, comentou.
O presidente do CBHSF comentou ainda a ausência de um debate amplo com a sociedade civil acerca do projeto de privatização da Eletrobrás. “Uma medida desse calibre terá repercussões por gerações, por muitas décadas, e precisa ser repartida entre o parlamento e a sociedade brasileira”, argumentou.
Miranda destacou que a sociedade da bacia do Velho Chico não foi chamada para debater e apresentar as aflições e os desejos no contexto desta discussão. “O Comitê advoga que este é o tipo de discussão que não pode ser feita em um ano eleitoral, não pode ser feita em fim de governo. Nossa ideia é que ela seja remetida para um amplo debate requalificado em 2019.
O presidente do CBHSF comparou a pressa pela privatização da Eletrobás ao processo de transposição do rio São Francisco, que, na visão dele, causou muitas amarguras ao país. Ele afirma que o açodamento em tirar o projeto do papel produziu uma obra que ainda não terminou e tão cedo terminará, e apresentará muitas dificuldades do ponto de vista da sua gestão. Anivaldo teme que, ao colocar um projeto como o da privatização da Eletrobrás em um contexto muito parecido com a polêmica obra da transposição, não haverá bons frutos. Ele é otimista com a retirada de pauta da matéria e acredita que há tempo de envolver a sociedade da bacia, seus usuários e o poder público neste debate.
Anivaldo ressaltou que não é possível discutir energia sem discutir a gestão das águas. Ele avalia que a maneira como o projeto tramita caracteriza total falta de sintonia do poder público, inclusive no que se refere à legislação. Ele exemplifica que a privatização da Eletrobrás está sendo debatida isoladamente e sem considerar, por exemplo, o Plano Nacional de Recursos Hídricos aprovado pelo CBHSF. “O Comitê não é uma ONG e sim um ente paraestatal, criado por decreto presidencial, que tem como prerrogativa aprovar o plano de recursos hídricos da bacia”, esclarece.
Outra crítica de Anivaldo à matéria em debate diz respeito à desconexão com a pauta ambiental do século 21. “No que diz respeito aos reservatórios do rio São Francisco, é claro que você não pode continuar tratando esses reservatórios como tratava até o final do século passado. O potencial para geração de energia elétrica na calha do rio São Francisco já está esgotado”, pondera.
O principal foco da sociedade que integra a bacia do São Francisco é criar um Pacto das Águas que redefina as vazões de entrega dos grandes afluentes do rio São Francisco e de sua calha principal. “O foco principal é mudar a vocação dos reservatórios, que deixariam de ser hegemonicamente para geração de energia para que eles possam de fato atender agora aos usos múltiplos da bacia”, coloca.
Ele critica que o projeto de privatização da Eletrobrás desconsidera o contexto do aquecimento global do século 21 e apresenta propostas carentes de clareza e que trafegam pela contramão da sustentabilidade e alerta que o planeta e a bacia do Velho Chico vivenciam uma crise de disponibilidade hídrica. “Este projeto nos conduz ao século 20 quando estamos querendo ir para o século 21. Essa é a discussão que se trava dentro da sociedade. Não podemos desconectar o que se passa aqui em Brasília, no Parlamento, do que acontece no Brasil profundo, que está rediscutindo toda essa questão, em um contexto em que os conflitos pelo uso da água deverão se aprofundar se não houver sensibilidade para construir um outro tipo de planejamento estratégico dentro da bacia do rio São Francisco”, alerta.
Miranda afirma que o Comitê considera que o Pacto das Águas deve estar conectado ao Pacto da Legalidade. Porque se os estados da bacia, de fato, não universalizarem o estabelecimento dos instrumentos para a gestão das águas – sistema de bacias e de outorgas confiáveis, cobrança pelo uso da água, empoderamento dos comitês de bacias, enquadramento dos rios para definir suas qualidades – e se os estados não cumprirem com o seu dever , falar de gestão da bacia e de revitalização é uma tarefa inexequível.
O presidente do CBHSF também critica o texto do projeto que privatiza a Eletrobrás a criar uma fundação para gestão do fundo que seria destinado à revitalização da bacia. “Cria uma fundação privada com interesse público encarregada de fazer um programa de revitalização. Mais um órgão desconectado de toda a história do que já se faz nesse sentido e independentemente de um conselho gestor que foi criado para cuidar da revitalização”, critica.
Finalmente, Miranda afirma que a revitalização é um tema contemplado na Lei 9433/1997. “Não precisa produzir mais nada do que está na lei, que precisa sair da gaveta e já tem indicativo sobre tudo isso”, finalizou.
Também participaram do debate o representante do Ministério de Minas e Energia, Ricardo Brandão Silva; o assessor especial do Ministério da Integração Nacional, Irani Braga Ramos; e pela Codevasf, o presidente em exercício, Marco Aurélio Diniz, e a analista de desenvolvimento Kênia Régia Marcelino. A audiência foi realizada atendendo ao requerimento nº 14/2018, da Deputada Raquel Muniz, coordenadora da Comissão Externa Situação Hídrica dos Municípios no Estado de Minas Gerais. O debate foi presidido pelo Deputado Laudívio Carvalho.
*Texto: Iara Vidal
* Foto: Iara Vidal
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