16/01/2018
A transposição em questão
Há cinco anos atuando na gestão de conflitos e alocação de águas em momentos de escassez, o professor Valmir de Albuquerque Pedrosa, doutor em gestão de recursos hídricos, falou à Chico sobre o Projeto de Integração do Rio São Francisco – PISF, além de dar o panorama sobre como as águas vêm sendo tratadas, dentro e fora do Brasil. Pedrosa é Engenheiro Civil, doutor pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professor da Universidade Federal de Alagoas desde 1996.
Chico – O que é o Projeto de Integração do Rio São Francisco – PISF e quais estados são atendidos por ele?
Pedrosa – O Projeto de Integração do Rio São Francisco – PISF é uma complexa obra de infraestrutura para promover o desenvolvimento regional por meio da oferta de água para os estados de PE, RN, PB e CE, além de ser de total responsabilidade do Ministério da Integração.
Com a implantação do PISF como fica a gestão das águas no Brasil?
Com as gigantes dimensões lineares e geográficas do Brasil a gestão da água que corre pelo PISF é de grande complexidade. Afinal de contas as águas correm por canais de concreto, leitos de rios naturais de domínio federal e muitas vezes estadual. No meio do caminho esses mesmos recursos hídricos alcançam reservatórios decorrentes de obras da União, águas estas que despertam o empreendedorismo daqueles que sonham em iniciar projetos de irrigação.
As águas do PISF também atenderão aglomerados humanos por meio de adutoras capazes de abastecer cidades inteiras, resolvendo assim o severo racionamento hídrico de regiões inteiras.
Quais são os verdadeiros desafios da transposição do Rio São Francisco?
A transposição do São Francisco possui inúmeros desafios e, para conduzir esses trabalhos, a FGV foi contratada pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba – Codevasf para criar um modelo de gestão do PISF (Projeto de Integração do Rio São Francisco). Na metodologia utilizada várias oficinas foram realizadas para validação dos documentos contidos em tal modelo e, em outubro, aconteceu a última reunião, cuja missão foi a validação do Guia de Elaboração do Plano de Gestão Anual – PGA, além de tratar de temas complexos, como a necessária articulação da operadora federal do PISF, que é a Codevasf, com os órgãos gestores dos estados que recebem e receberão estas águas.
Quais os resultados até agora?
Em julho a FGV apresentou suas recomendações, nas quais constava que o trabalho tinha como meta indicar uma metodologia para a definição da tarifa. Em outro momento o Comitê Gestor do PISF, diante do apresentado, criará os consensos necessários para a definição da tarifa e várias outras questões. Quando nos perguntamos se os impostos ICMS, PIS, COFINS, IRPJ, CSLL serão inseridos na tarifa de água, ainda não existe uma resposta e os especialistas em tributos ainda divergem.
Como é feito o cálculo das tarifas?
Para sentir a importância, a alíquota do ICMS é de 25% sobre o preço da energia, que representa 50% da despesa operacional. Sem inserir todos os impostos, uma estimativa inicial foi feita pela ANA: para uma receita requerida de R$ 418 milhões/ano, as tarifas teriam duas partes, a tarifa de disponibilidade de R$ 0,204/m3 e a tarifa de consumo de R$ 0,459/m3. Em breve, esses valores serão refinados e alcançarão consenso no âmbito do Comitê Gestor do PISF. A receita requerida deve ser igual à soma dos custos fixos, dos varáveis, dos ambientais, das despesas administrativas, da taxa de administração e da depreciação, embora existam muitos consensos a serem alcançados.
Qual o significado de cada custo?
O custo fixo é o perfil e número de profissionais da operação e administração das estações elevatórias, canais, reservatórios. O custo variável é imposto e suas alíquotas incidentes, valor da demanda de energia contratada, preço de compra do MWh, vazões a serem bombeadas em cada estação elevatória. Os custos ambientais são as condicionantes da licença de instalação/operação, que serão de responsabilidade integral da Codevasf. As despesas administrativas variam de acordo com o tamanho e perfil da equipe. A taxa de administração é um valor a ser definido. Por fim, a depreciação é o valor da reserva a ser criada para as necessárias atualizações da infraestrutura, como a troca futura de conjuntos elevatórios e os quadros de distribuição elétrica.
Você acredita que o universo acadêmico seria um grande reforço para o desenvolvimento e melhor implantação do PISF?
O CNPQ, a FINEP e a CAPES também deveriam participar desse esforço de acumular e produzir conhecimento para o futuro. Acredito na criação de uma rede de pesquisa para a construção da modelagem hidráulica – hidrológica do PISF, com a participação das Instituições Federais de Ensino Superior – IFES de todo o Brasil. Na Califórnia, há vários modelos desta natureza e assim há um rico debate sobre a ótima operação dos sistemas.
Como você avalia os dois grandes conjuntos de infraestrutura hídrica da Califórnia, a Central Valley Project e o State Water Project?
São compostos por mais de duas centenas de organismos dedicados àgestão das águas, o que exige um considerável esforço científico em pesquisas para a boa gestão dessas águas. Em 2016, cerca de dois bilhões de dólares foram investidos em análises. Lá existe um Norte com mais água, com menos população e menos atividade agrícola. Em contrapartida, um Sul seco, com imensa população e uma gigante atividade agrícola. Assim, esses dois projetos asseguram que as águas do Norte fluam para o Sul do estado. A quantidade de água transferida depende das demandas hídricas e das demandas ambientais do delta dos rios que formam este imenso e complexo estuário. As demandas ambientais têm sido fator decisivo na definição de quanta água fluirá para o delta e do quanto será transferida para atender as demandas hídricas do Sul do estado. Lá estão, entre outras cidades, Los Angeles e San Diego.
Existem grandes diferenças entre a realidade na Califórnia e o Brasil?
Não há muitas diferenças entre o caso californiano e o brasileiro. A quantidade de água que o PISF aduzirá dependerá da quantidade de água estocada na Bacia do Rio São Francisco, que dependerá da quantidade de água estocada nos estados receptores, que dependerá das demandas hídricas das Bacias receptoras, e que, por fim, dependerá das demandas hídricas da Bacia do Rio São Francisco, com destaque para as demandas ambientais da foz. Nesse sentido que digo que muita pesquisa, muita discussão, muito estudo e muito consenso precisarão ser atingidos durante a operação do PISF.
Por Vítor Luz
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